sexta-feira, 15 de junho de 2007

A perversão da inocência


Uma casa de quintal sujo, com a tintura dos portões descascando e as paredes manchadas. E, nesse mesmo quintal está um cachorro vira-lata em estado de pele e osso; mais osso do que pele, gemendo de fome e dor. Ele, com sua simpatia e cabeça baixa vem receber os visitantes. Luisa Mel, acompanhada de sua produção Late-Show, coloca o público a par do que está acontecendo:
- Gente, estamos aqui porque recebemos a denúncia por parte dos vizinhos dessa casa sobre os maus tratos que esse cãozinho tão meiogo recebe de sua dona. Né fofinho? - diz a apresentadora olhando para a camera com uma mão segurando o microfone, e a outra na cabecinha de osso e pelo falho. Ela ainda completa: "Olha, vejam só esse cachorrinho perto de mim gente!..." - e, com uma emoção que não cabe no infinito, é possível avistar lágrimas nos olhos sensíveis dessa apresentadora. Pelo menos, é o que deve pensar a maioria das pessoas fiéis ao programa.
Então, depois de recuperar-se de tamanha emoção, em um ímpeto repleto de senso de justiça, ela respira fundo, olha fixamente para a camera, depois vira levemente o pescoço para baixo avistando o tamanho da injustiça refletida na pele do cão. Continua passando a mão nele e acrescenta: "Agora vamos falar com a pessoa que está fazendo isso com você. Nós da Rede TV vamos ver o que pode ser feito". E, a partir daí, ela já não está mais com a cabeça abaixada e com a mão acariciando o animal porque depois de respirar fundo novamente, e olhar profundamente para a camera, continua: "Está na hora de fazermos justiça gente!". E toca a campainha.
O portão enferrujado é aberto lentamente por uma mulher acabada. Então, Luisa Mel se apresenta:
- Boa tarde minha senhora. Nós somos do programa Late-Show e viemos aqui porque recebemos uma denúncia dos seus vizinhos que estão indignados com os mãos tratos que seus cachorros estão recebendo da senhora.
A mulher começa a chorar...
- O que foi? A senhora está arrependida? Por que a senhora tem cachorros e não os alimenta? -continua Luisa Mel.
Soluçando, a mulher responde que não deseja mal a seus cães, e muito menos que estejam passando fome, mas alega que toda sua família encontra-se desempregada e devido a isso não podem comprar comida para os animais.
- Então a senhora compra comida para vocês, mas não para os cãezinhos? Será que podemos entrar?
A mulher acena positivamente com a cabeça baixa deixando-os entrar...
E, mais três cachorros em pele e osso aparecem e acompanham a equipe, que não economiza em mostrar os aspectos mais acabados da casa, das crianças sujas e dos animais.
E a mulher continua chorando!
Luisa Mel, consumida por um gesto de solidariedade a abraça e diz:
- A senhora está arrependida mesmo. Mas não fique assim. Nós viemos aqui para denunciá-la, mas aí encontramos o que estamos vendo. Sei que a senhora não é uma má pessoa e que essa situação independe de você. Não é mesmo?
Simultâneo ao diálogo, cenas da dispensa vazia são mostradas acompanhadas de um fundo musical triste.
Dona "Maria" responde soluçando:
- Estamos passando fome. Por isso não demos de comer aos cachorros, e também aos meus filhos (três crianças de nariz escorrendo sentadas no sofá rasgado). Quero dar aos cães para uma pessoa que possa cuidar.
Pausa. A sinfonia da agonia prevalece agora no ar. A camera percorre a miséria daquela casa refletida nas pessoas e nos animais.
Luisa Mel pede para os espectadores ajudarem a família de dona "Maria" com doações através do telefone que aparece na tela. E o Late-Show segue com seus blocos (aliás, o programa não é de todod inútil. Uma vez assisti uma passagem interessante sobre o sono dos cães. Z,Z,z,z,z...)
Essa historinha é apenas um exemplo marcante do perfil de programas oferecidos por essa emissora. A Rede TV possui uma audiência alta e segue a tendência de crescimento forncendo o que existe de mais hipócrita. Estimula a ignorância e o maniqueísmo. Oferece um entretenimento que independe de moral e ética, e assim, reflete o mais podre de nossa sociedade: a farsa, a tendência a idolatrar o tosco e superficial, reproduzindo muito bem o "pão e circo" tão marcante no Brasil. "Pão e circo", nada mais. O mesmo "pão e circo" que nutre os hábitos da maioria da população que vive sob exclusão em pleno século XXI.
Só deixo a pergunta: quantos espectadores famintos deixarão seus cãezinhos passando fome para um dia receberem a ilustre visita de Luisa Mel em suas humildes residências? E quantos serão solidários a essa manifestação de sensibilidade tão comovente?

quarta-feira, 16 de maio de 2007

A violência invisível

A violência invisível não deixa marcas físicas, acontece em diferentes situações e, em diversas vezes não a percebemos, porque passa a fazer parte do nosso cotidiano, sem questionamentos de nossa parte.

Ela tem várias formas de manifestação. Nas relações interpessoais aparece em papéis como os de marido-mulher, pais-filhos, patrão-empregado, professor-aluno etc.

São mensagens que humilham e, à medida que são ditas, vão pouco a pouco fazendo parte de nosso inconsciente. Isso acaba gerando dúvidas sobre nossas reais potencialidades e capacidades, o que, futuramente pode levar a uma depressão. Essa situação tem início aos poucos, por isso é difícil de ser questionada.

Quando essas mensagens são passadas de pais para filhos, a criança vai desenvolvendo uma baixa auto-estima que afeta a sua confiança para enfrentar situações da vida.

Como, historicamente, a mulher tem assumido um papel mais submisso em relação ao homem, é mais freqüente encontrar mulheres que não expõem seus sentimentos.

Essa é uma violência invisível que ela pratica contra si mesma. Nessa forma de relação, passa a imperar o pensamento familiar pela visão masculina. Com a continuidade desse processo, vai se intensificando o sentimento de nulidade na mulher.

O que pode trazer algum tipo de mudança é o questionamento e, a partir daí, buscar uma forma de se relacionar que se manifeste em uma livre expressão dos sentimentos e respeito ao jeito do outro ser.

quarta-feira, 2 de maio de 2007

E nós, vamos fazer algo?

A morte do garoto João Hélio, arrastado por bandidos pelas ruas do Rio de Janeiro, acendeu uma lâmpada em parcelas da sociedade brasileira: nós vamos continuar parados e ver a violência tomar conta de nossas vidas sem reagir?

Nesse mix de sentimentos, entre vingança e mobilização social, surge o site "Eu vou fazer Algo". A proposta é simples: responder e dar sugestões, diretrizes para que cada um possa, do seu modo, coibir ou modificar o cenário atual brasileiro. O endereço apresenta a situação do sistema prisional brasileiro, o porte de armas, os homicíos na juventude, etc. Entre os muitos "conselhos" dados pelo site, alguns são, de fato, válidos e já testados em outras situações. Veja alguns:

- Se você for vítima de crime, faça o boletim de ocorrência (pode ser óbvio para alguns, mas a polícia brasileira acredita que muitos dos furtos que acontecem diariamente não são registrados. A falha ocorre tanto pelo excesso de burocracia para registrar o roubo mas também por uma "preguiça" de grande parte das vítimas)

- Mande um e-mail para deputados e senadores pedindo seriedade (...) na aprovação de leis que combatam a violência (a proposta sempre é retomada, principalmente em períodos pré-eleitorais, para que se fiscalize a atuação de nossos representantes. Ela vale aqui não só para a violência mas também para tudo aquilo que queremos mudar em nossa sociedade: educação, saúde, desemprego, políticas sociais, etc)

Pode ser uma ação simples, mas que vale ser comentada: o site é divulgado por uma estação de rádio da Grande São Paulo, o que dá uma maior visibilidade à iniciativa. Com o apoio da "Viva Rio" e "Instituto Sou da Paz", é um espaço feito para que cada um, de uma maneira breve e simples, dê o primeiro passo para sair da imobilidade que afoga todas as boas idéias e iniciativas espalhadas por aí.

Site: http://www.euvoufazeralgo.com.br/

quarta-feira, 18 de abril de 2007

A Violência Urbana Banalizada

Não bastaram algumas semanas da discussão sobre a necessidade do apoio da Força Nacional para tentar conter a violência no Rio de Janeiro, políticos, incluindo Presidente da República, Prefeito da cidade, secretários, a manchete de todos os jornais estampam: “Guerra de traficantes mata 19 no Rio”.

Desde o começo do ano, governadores dos estados do sudeste mantém reuniões para estabelecer uma rede de contribuição mútua e reduzir, de forma conjunta, a atuação de facções criminosas.

E qual não é a surpresa quando, logo o Sr. Ronaldo Marzagão, Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, vem a público e diz que esse tipo de ação criminosa está controlada em São Paulo e que não necessita de apoio do governo federal. Algo que soa como “nós fazemos o nosso trabalho direito, diferente dos outros estados”. Ora, não tinham eles um trato de cooperação? Não era para a vitória ser conjunta e erradicar o crime organizado de uma maneira mais ampla?

Outro fator preocupante na fala daquele que lidera a luta contra o crime em nosso Estado é a crença de que a indicação de que a paz reina em São Paulo. No mínimo constrangedor, já que no mesmo dia mais um assalto a banco deixa um morto e cinco feridos.

Enquanto isso, o que mais choca a mídia e o público é o caso do rapaz coreano que assassinou 32 colegas em uma universidade na Virgínia, nos Estados Unidos. Um crime sem dúvida horrendo, o maior ataque de alunos a escolas, superando o caso de Columbine. Choca tanto por ser inesperado. Porque o número de morte devido à guerra entre quadrilhas no Rio de Janeiro é quase igual em um período de três dias.

Infelizmente, a morte pela violência urbana no Brasil está banalizada de tal forma a ponto de as fotos dos jornais ilustrarem policiais carregando cadáveres pelos corredores das favelas com um largo sorriso no rosto. Aquilo não os afeta mais. E, pela postura das autoridades e pela passividade da sociedade civil (responsabilidade da qual não eximimos nossa participação), não há perspectiva de mudança a curto, médio ou longo prazo.

quarta-feira, 28 de março de 2007

Iraque mata mais que o 11 de setembro

A idéia de "catequizar" o Iraque custou caro aos próprios americanos. No Natal de 2006 mais famílias choravam a ausência de seus filhos do que no final de ano de 2001. Desde o início do conflito no Oriente Médio, em março de 2003, 2.978 oficiais morreram, cinco a mais do que vítimas no atentado nos EUA. Isso até 26 de dezembro de 2006.

Olhar os númeors é o suficiente para dar um basta à busca por petrodólares, não? Não pra Bush Filho, que quer mais. Mais soldados. Mais dinheiro. Mais armas. Uma equação maluca que só pode gerar mais mortes. Tudo pelo simples luxo de encher um cofre que até o sovina do Tio Patinhas se daria por contente em nadar.

Será que algum senador vai mudar de idéia e alistar, por livre e espontânea vontade o próprio filho? Que morram os jovens dos guetos para a indústria da guerra sorrir de orelha a orelha.

Falsos seqüestros e falsos alertas na sociedade do medo

A onda de "falsos seqüestros" por telefone é o perfeito exemplo do que se tornou a sociedade pós-PCC, algo similar com que se instalou nos EUA com o pós-11/9. Vivemos uma época, quer dizer, difícil falar em "viver" estes fatos quando eles não acontecem de fato.

Explico: seqüestros que não acontecem atormentam famílias via telefone, que, desesperadas, depositam dinheiro em contas de bandidos a troco de nada. A imprensa supervaloriza fatos diários causando o pânico desnecessário, mesmo o caso não sendo violência. Enchentes, atrasos em aeroportos, coisas do tipo se tornam pautas urgentes do dia e são esquecidas no dia posterior.

Um dos pilares que constituem este novo formato de sociedade é o medo pregado pelo governo norte-americano após os ataques de 11/9. O governo Bush criou um sistema de alertas baseados em cores (azul, amarelo, laranja, vermelho, etc.) que mostram o status do risco de um ataque. No entanto, nunca foram divulgados os critérios para a escolha destes alertas, muito menos o porquê destas medidas.

Geralmente encontramos atitudes deste tipo em governos decadentes. Podemos lembrar que Bush tinha uma de suas piores avaliações antes dos ataques terroristas do 11/9. É visível que a criação de um problema dá uma brecha para que o governo entre a ação e crie uma solução instantânea para para a crise. Neste caso, Bush invadiu o Afeganistão, movimentou sua indústria bélica, e não achou nada. O que se repetiu posteriormente no Iraque. O resultado disso até o momento? Mais mortos no Iraque do que nos ataques de 11/9 e nada de Bin Laden ou armas químicas. A indústria bélica agradece.